Economia do gigante asiático avançou 4,6% no 3º trimestre em comparação com o ano passado. Para especialistas, números podem melhorar mais com os estímulos, mas crise no mercado imobiliário e baixo consumo das famílias ainda são entraves para crescimento sólido.
O Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 4,6% no terceiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados oficiais divulgados nesta quinta-feira (17). O resultado ficou ligeiramente acima das expectativas de analistas, que esperavam uma alta de 4,5%.
Apesar do avanço, a economia do gigante asiático desacelerou em comparação com segundo trimestre, quando o crescimento foi de 4,7%, abaixo do que previa a maioria dos economistas.
A meta do governo chinês, considerada audaciosa por analistas, é de crescimento de 5% em 2024. Para alavancar o PIB, a segunda maior economia do mundo lançou, então, um pacote sem precedentes, com o intuito de fomentar o consumo e apoiar o mercado imobiliário — áreas que passam por forte crise.
Possíveis impactos da iniciativa, anunciada no fim do mês passado, só poderão ser percebidos a partir das próximas divulgações da atividade econômica do país.
Enquanto isso, especialistas ouvidos, afirmam que o megapacote chinês pode até alavancar os números do PIB, mas ainda há um importante problema estrutural com a demanda interna, já que o consumo das famílias está — e tende a seguir — em níveis baixos.
A contenção de gastos da população chinesa coincide com o forte desemprego entre os mais jovens e com a desvalorização de imóveis. O movimento, que se acentuou após a pandemia de Covid-19, tem aumentado os receios dos consumidores, que observam seus patrimônios perderem valor.
Para o Brasil, os reflexos do megapacote devem ser pontuais, com benefícios a apenas alguns setores exportadores de commodities. Segundo analistas, o cenário é completamente diferente dos anos 2000, período marcado por uma forte expansão da economia chinesa, com crescimentos anuais entre 8% e 14%.
À época, o forte progresso de uma China superaquecida resvalou positivamente na economia brasileira, que aproveitou o boom das commodities para produzir e exportar mais para o gigante asiático — até hoje, o principal parceiro comercial do Brasil.
Entenda, nos tópicos abaixo, o que se espera do novo pacote econômico chinês:
- Os principais pontos da medida;
- Os problemas — e os desafios — chineses;
- O megapacote é suficiente?;
- Os reflexos no Brasil e em empresas brasileiras.
Os principais pontos da medida
O economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria, destaca que o megapacote chinês tem natureza monetária e creditícia (ou seja, de redução de juros e ampliação de acesso a recursos financeiros) e possui três grandes frentes:
- ▶️ Cortes múltiplos nos juros, com reduções em taxas de referência próximas de 0,5 ponto percentual — magnitude acima do histórico do país.
- ▶️ Concessão de crédito, que poderá ser usado, por exemplo, para recompra de papéis no mercado de ações pelas empresas, formando uma linha de recapitalização.
- ▶️ Redução dos compulsórios (dinheiro que os bancos precisam ter em mãos), liberando mais de 1 trilhão de yuans (cerca de US$ 140 bilhões de dólares) às instituições.
“Em termos creditícios e monetários, essa é a maior atuação do governo chinês desde a eclosão da pandemia de Covid-19”, destaca Ribeiro.
No último sábado (12), o ministro das Finanças do país, Lan Foan, anunciou mais estímulos. Apesar da frustração de investidores com a falta de detalhes, sabe-se que as medidas são destinadas a apoiar os governos locais e o mercado imobiliário.
Além das iniciativas já anunciadas, estão em curso discussões sobre uma possível — e pontual — transferência de renda para pessoas em situação de miséria no país, cujo valor ainda não foi definido.
Segundo a agência Reuters, a China planeja emitir títulos soberanos especiais (medida utilizada para a captação de recursos) no valor de cerca de 2 trilhões de iuanes (US$ 284,43 bilhões) neste ano, como parte dos novos estímulos.
Metade desse valor seria para ajudar os governos locais que enfrentam problemas de endividamento. A outra metade subsidiaria a compra de eletrodomésticos e bens, além de financiar uma ajuda mensal por criança para as famílias com dois ou mais filhos.
Os problemas — e os desafios — chineses
O baixo consumo das famílias e a crise imobiliária são ingredientes que ajudam a explicar a dificuldade de crescimento da economia chinesa após a pandemia.
Segundo dados oficiais, o consumo total dos lares representa menos de 40% do PIB do país — cerca de 20 pontos percentuais (p.p.) abaixo da média mundial.
No setor imobiliário, os investimentos em desenvolvimento de projetos tiveram uma queda de 10,2% de janeiro a agosto deste ano frente ao mesmo período de 2023, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas da China.
Além disso, os preços de imóveis novos recuaram 0,7% em agosto, atingindo o 14º mês seguido de queda. Em relação ao ano anterior, a desvalorização acumulada chega a 5,3%.
Lívio Ribeiro, do FGV Ibre e da BRCG Consultoria, afirma que o momento atual da China exigiria, principalmente, medidas relacionadas às famílias. Ele destaca o medo por parte dos consumidores, que observam diluição de patrimônio e o desemprego entre os jovens.
“O chinês vê o filho único sem emprego. Vê o imóvel — que ele poupou a vida inteira para comprar e que é o principal estoque de riqueza dele — perdendo valor. Olha para o futuro e vê que não há um programa nacional de aposentadoria. Então, naturalmente, ele tem medo [de gastar]”, exemplifica.
O megapacote é suficiente?
Para o professor Celio Hiratuka, diretor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e coordenador do grupo de estudos Brasil-China, as medidas já anunciadas podem levar a economia do país a uma trajetória de crescimento, “eventualmente até um pouco acima dos 5%”.
Ele pondera, no entanto, que isso não deve acontecer neste ano — frustrando as expectativas do governo chinês.
“Esse conjunto de medidas vai demorar para fazer efeito. Mas, potencialmente, pode levar o país a uma trajetória de crescimento de acordo com as suas metas, revertendo o esfriamento dos últimos meses”, diz Hiratuka.
O governo chinês ainda discute um novo impulso fiscal, que pode ser anunciado entre o fim de outubro e o início de novembro. Nesse caso, a expectativa dos economistas é em relação ao enfoque do novo pacote.
“Vamos ver a natureza dessas medidas e entender suas implicações para curto prazo (6 meses) e prazos mais longos”, diz Lívio Ribeiro, do FGV Ibre. “Hoje, o efeito [das iniciativas já anunciadas] é de curto prazo e em preços. E o pacote precisa mostrar a que veio”, continua.
Uma das fragilidades apontadas por especialistas é que as medidas em vigor não resolvem o problema do baixo consumo das famílias.
O entendimento é que esses incentivos beneficiam empresas e segmentos específicos — o que não garante uma melhora direta em termos de geração de renda e emprego. O resultado é a permanência da insegurança financeira dos chineses e, assim, um consumo ainda travado.
“Uma agenda que melhorasse a confiança das famílias — seja na renda presente, como transferência de renda; seja na renda futura, como uma aposentadoria — seria muito positiva para destravar a possibilidade de consumo no curto prazo”, diz Lívio Ribeiro.
Os reflexos no Brasil e em empresas brasileiras
A China é a principal parceira comercial do Brasil. De janeiro a setembro deste ano, por exemplo, o país foi responsável pela compra de 30% do total de produtos brasileiros exportados. Em valores correntes, os asiáticos importaram US$ 76,6 bilhões do Brasil no período.
Para efeito de comparação, as exportações brasileiras para os Estados Unidos — nosso segundo maior parceiro comercial, responsável por 11,5% do total dos produtos vendidos — somaram US$ 29,4 bilhões na mesma janela.
“Um crescimento mais robusto na China pode ter efeitos tanto na demanda por exportações do Brasil quanto no preço das commodities. Então, traz reflexos importantes, ainda difíceis de mensurar”, diz Celio Hiratuka, da Unifesp.
Entre as commodities, o megapacote tem potencial de elevar os preços do minério de ferro. Com uma China mais aquecida e aplicando estímulos ao mercado imobiliário, a demanda pela matéria-prima tende a crescer, elevando sua cotação no mercado internacional.
A alta nos preços favorece exportadoras brasileiras como a mineradora Vale, empresa de maior peso no Ibovespa. Dessa forma, o megapacote chinês pode beneficiar algumas companhias do Brasil e, eventualmente, o principal índice acionário da bolsa de valores do país.
Segundo Hiratuka, o movimento ainda pode beneficiar setores da indústria brasileira ao diminuir a concorrência direta. Na prática, um mercado interno mais aquecido na China ajudaria a atenuar a ofensiva de produtos manufaturados do gigante asiático a outros países, explica o professor.
Apesar do cenário promissor para o minério de ferro, produtos do agronegócio como soja, milho, algodão e proteína animal — importantes frentes de exportação do Brasil para a China — não devem surfar a onda positiva, destaca Lívio Ribeiro, do FGV Ibre.
São produtos que esbarram no consumo interno, que segue enfraquecido no país. “Proteína é consumo. Soja é ração para produzir proteína interna. Se há um problema de consumo, indiretamente a soja também não anda”, exemplifica.
O petróleo, outra commodity entre as principais exportações brasileiras, também esbarra no consumo das famílias: para gerar efeitos na nossa balança comercial, é preciso uma economia chinesa mais aquecida, com um número maior de pessoas viajando e fábricas produzindo, por exemplo.
“Se as medidas que estão sendo colocadas em marcha têm efeito sobre o agregado — independentemente de a composição ser pró consumo ou não — você pode ter um efeito das exportações de petróleo para a China. Mas temos grandes competidores internacionais que podem nos deslocar. Então, não é muito certo que esse mercado seja cativo”, afirma Ribeiro.
Ainda assim, possíveis impactos do novo megapacote chinês ao Brasil significariam um cenário completamente diferente do que aconteceu nos anos 2000, período marcado pelo salto econômico da China: o PIB do país, que começou este século em US$ 1,2 trilhão, alcançou US$ 6 trilhões em 2010.
À época, a disparada dos números foi alicerçada em uma conjuntura de forte aquecimento interno, com disparada no mercado de trabalho e no consumo da população.
“Definitivamente, não estamos falando agora de um superciclo, de uma China que vai ter milhões e milhões de pessoas entrando na força de trabalho, no consumo. O que aconteceu nos anos 2000 não tem absolutamente nenhum paralelo com o que está acontecendo agora”, conclui Ribeiro.